sábado, 1 de dezembro de 2007

SAL


Pensava naquele dia
no qual brincávamos de
misturar sal e tequila.
Foram tantas as vozes e vezes
de amor pontuados
que já não enxergo
o sol surgindo ao amanhecer.
Calei suave o meu sorriso.
Aprendi a falar muito
para não ouvir mais nada.
Assim, derramada no sal
das lágrimas
pareço mais próxima do fim.
E, sem querer esquecer,
brindo a dor de ter sido
apenas uma guia
mal feita
pelas suas mãos de quase pai,
quase santo.

Foto: Wojcieeh Wandzel/Bulgária

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

ESPREITA


Fiquei horas buscando em vão
o sinal da sua passagem
pelo mesmo caminho.
O dia à espreita da passagem do tempo
parecia insinuar a ausência inevitável.
Tola, como de hábito,
insisti na promessa
de um ou dois dias antes.
Por momentos esqueci
da sua facilidade de apenas fazê-las.
Cansada e atropelada outra vez
pelo desespero de estar só,
deixei a paisagem intacta
na esperança de que o caminho
te levasse de encontro a mim.
Ontem completei 80 anos.
Há 40 espero pelas tuas pegadas.

Imagem: Argiris Zafeiridis (Grécia)

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

ETERNA CRIANÇA



Quando te ouvi desejando minha morte
lembrei das palavras doces que um dia
ajudaram a tecer o que era para ser uma história de amor.
Não tive raiva da sua raiva.
Achei engraçado, comovente até...
Você, o homem de nervos de aço,
tentando roubar a minha ternura de criança.
Tive pena.
Pena até daquela mulher invertebrada
que você agora diz amar
e sobre a qual sequer posso me pronunciar.
A menos, como o senhor impõe,
depois de lavar a boca com sabão.
Para falar de quem mesmo?
Não sujaria a minha alma.
Não preciso.
Falar nela sim, seria uma bobagem
Até porque,
depois não conseguiria mais sentir o sabor das coisas.
Fique com a fruta estragada por inteiro.
Pendure pôsters dela na parede
e olhe direito.
Olhe bastante.
Só assim talvez você veja que a morte lhe acompanha.
Sejam felizes em suas sepulturas
num pacato jazigo em Riachão do Jacuípe.
Morram entrelaçados.
Vocês merecem a podridão um do outro.
Mas da minha ternura,
se afaste.
Minha criança será sempre afável
e bela.
O tempo não me atravessa com lanças.
Apenas me embala.
Sintam inveja.
Enquanto as rugas sinalizam seus destinos,
Estarei sonhando e sorrindo.
Sou pequenina demais para o mundo
ocre e hóstil de criaturas como vocês.
Seres em série,
sem vontades próprias,
com o sangue ralo a passear pelas veias.
Esqueci de crescer e sou feliz.

sábado, 15 de setembro de 2007

PERDÃO



Te darei o meu perdão.
Não sei como farei isto,
mas para cada uma das pedras
vindas de tuas mãos em minha direção,
tentarei enxergar as flores que não me deste.
E, quando amanhecer,
estarei sorrindo do pesadelo
que tem sido a tua presença.
Esquecerei, enfim, da falta.
Porque, ao te perdoar,
tão longa e vagamente,
estarei te enterrando vivo.
Junto, como companhia, terás
o meu passado
e todas as tuas juras impensadas de amor.
Não apenas as que me fizeste,
mas todas que lançaste ao vento
para tantas torpes criaturas.
Pronto.
Fiz as pazes com a minha ira.
Agora, tente dormir em paz.

Imagem: Internet

terça-feira, 21 de agosto de 2007

BREVE


Tocar teus lábios...
Mariposa cálida,
Sorver atenta
O mel que te envolve,
Quente...
Frente ao teu corpo,
Bicho lindo,
Cheio de linhas
E direções
Lunáticas.

domingo, 19 de agosto de 2007

HOMENAGEM PÓSTUMA


Eu sou o que você ou ela ou ele não podem ser.
Sou a metralhadora que dispara e não mata
Ou que mata, quando precisa.
Em alguns dias sou o amor que você gostaria de ter.
Noutros, o que teve nem notou e,
ao longo dos meses, poderia ter tido de fato.
Sou como a serpente que só ataca quando sente
Ou que, à noite, distraída, deixa-se esmagar na estrada pelo carro que passa.
Alguns dias sou multiétnica e,
noutros, caucasiana.
Até pego emprestado os olhos verdes e quase cegos do meu pai.
Mas, sei, sou muita gente.
Não preciso de tapete vermelho para que cheguem até mim.
Luvas de pelica me bastam.
Arranque meu coração, mas não esqueça:
antes arrancarei a tua alma, se ainda a tiveres.
Tente viver longe de mim e, quando sentir falta,
escuta Cazuza e o assombro dos versos de quem ouve e confessa, ao ouvido,
teu e dos outros, "segredos de liquidificador".
Não me diga que sou pequena, pois a grandeza que possuo te dei de graça.
Cala! Não fala mais nada. Experimenta amargar o sal da terra,
A morte que está e não chega.
Não me escute. Ouve o passado que corrói os teus ossos.
Eu?
Eu sou feita de aço.
Inoxidável, caminho pelos campos que, antes verdes,
tornaram-se desertos intermináveis.
Cata tuas coisas e segue.
Vê o que te espera.
Mas vê de antevéspera,
porque depois não há como voltar.
E se quiser dizer Eu Te Amo para mim,
para ela ou para ele,
Grite isto para um pássaro que, em seu vôo sem destino,
Consiga, talvez, espalhar tal confissão como quem dita o próprio epitáfio.

PELÍCULA



E quando o filme parecia terminado
e as luzes apagadas
pude tocar os olhos da tua alma
e colar a boca sedenta
no teu espírito.
Estávamos sós?
Estávamos nós?
Fomos como o vento que passa assoberbado
levantando saias
e arrancando telhados
Ficar sem você
é como perder a visão do mar intenso...

Imagem: Internet

terça-feira, 7 de agosto de 2007

PERCEPÇÃO


De repente das estrelas murchas
que povoam o sol
ressaltam e brilham os olhos
aniquilados do papel.
E na vontade esquisita de rimar o mar,
parto para o caminho melado e
melodioso do mel.
Cantam sonsos
Os sonoros pássaros
Em uníssono
E notas de aço.
Chove no chão
E nas veias dos pés
Explodem bolhas de asfalto
E um barulho nato
Mata o mato de depois do amor.
Foges na fogueira
Íngreme e acinzentada dos sorrisos
E na fuga abstrata dos paraísos
Descobres cores e odores

Foto: Guido Danniele

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

REFLEXÃO DA ALMA


Nada estilhaça mais a alma que uma traição.
É como se nos partissem o espelho da essência.
E não há cola para juntar os pedaços.
Por isto, vira e mexe, um corte se abre e o sangue jorra atordoado.
Seja nos pensamentos. Seja nos pesadelos.
Fecho este ano com um lacre de dores indescritíveis.
Quase todas as que tive
Na esperança simples, inocente e quase comovente
De pretender ser feliz.
Aos que me traíram, desejo apenas que não o façam com outras pessoas.
Aos que mentiram anos a fio, deitados em minha cama,
Espero que outras camas lhe inspirem sentimentos mais nobres.
E, para todas as traições, espero que os corações de quem as pratiquem
Se tornem menos duros e mais delicados
Como flores nascidas na seca.
E para os filhos que rejeitam o amor dos pais,
Espero que um leve perfume de sensatez
Grude em seus espíritos
Como seiva de alfazema para abrandar tal engano.
Aos que me amaram de verdade,
Digo somente que os amei e amo mais e mais.
Aos inimigos, o meu sorriso.
Ao falso amigo (a) as minhas condolências,
Porque amigos assim se matam eles próprios,
Suicidas das suas más intenções.
No mais, digo apenas que seguirei buscando o melhor nas pessoas
Sem filtros para as mentiras
Porque não os possuo.
Enfim, sigo tentando recompor a vida,
Ainda que a alma sangre
E singre de mim de vez em quando
Porque sei que ela sempre volta,
Remendada, é certo, a me apontar novos jardins
E novos caminhos a serem tocados.

terça-feira, 31 de julho de 2007

AREIA


Pousei os olhos na paisagem
em busca do que éramos.
Não havia mais o vaivém das águas
tocando as pedras como quem faz amor.
Pensei que havíamos sido.
Achei que poderíamos ter ido além.
Mas, no mar debruçada,
buscando as letras que atirei nas águas
ao te ver chegar,
percebi que nada mais havia.
Nem mesmo o sol que nos incendiava
ou a noite que nos tornava
embriagados de nós mesmos.
Na areia, a cada passo,
apenas um nome riscado
que as ondas teimavam em apagar:
SAUDADE.

11/08/2006

sábado, 28 de julho de 2007

RECADO


AMO VOCÊ
COMO SOL DA MANHÃ
LUA DA NOITE
SONO QUE NÃO CHEGA
TUA PRESENÇA
ENCHE MINHA VIDA
DE ALEGRIA
E A TUA IMAGEM
É PÁSSARO SOLTO
NA LIBERDADE
DE TE TER ENTRE AS COXAS

quarta-feira, 25 de julho de 2007

CANETA DE ALGODÃO



Caio como chuva forte no campo sereno de algodão.
Sou espada reluzente nos pescoços que cortei
E dos quais nem me lembro mais...
Tenho quase nada a dizer,
Somente que perdi o último barco que partia daqui para muito longe e sem destino.
Tenho fome das vezes em que estive ao seu lado e não arranquei o beijo e muito menos o abraço que me serviriam de lembrança.
Meus pés não cabem no chão.
O chão não suporta o peso dos meus pés, ainda que a alma flutue distante de mim.
Rezei pecados que não cometi.
Apanhei por coisas que não fiz.
Sonhei que era feliz e acordei com os pulsos cortados.
Nenhuma imagem me basta.
Apenas a que tenho e escorrega pelo ralo da pia do banheiro quando escovo os dentes amanhecidos e com gosto de má dormir.
O espelho já não é amigo nem sensato.
Está ali, pousado na parede, como uma borboleta que esqueceu de ir embora.
Cato as lágrimas que caem no travesseiro.
Nem elas me suportam.
Fogem de mim como se eu fosse um pedaço fétido de animal morto.
Observo a quinta-feira com olhar desconfiado.
Nunca sei o que me aguarda na sexta.
Calculo na minha cabeça zonza
pensamentos torpes para te dizer.
Sei que tudo fica melhor quando os pensamentos desaparecem,
Atropelados pela minha vontade de que sequer cheguem a existir.
Estou a um palmo de tornar-me senhora de mim.
Sem requintes nem promessas.
Sem companhia.
Apenas carregando os retratos amarelados de um passado que não quis.
Nunca quis nada.
Esta é a verdade.
A vida veio de conta-gotas e espatifou-se no meu olhar de nada querer.
Agora, enquanto as palavras cobrem o papel, engulo o café com chocolate na esperança de que fosse cicuta.
Mas não é.
Nada é como gostaria que fosse.
Nem você.
Nem eu.
Nem as minhas palavras camufladas para a guerra que combato em mim mesma.
Trocaria tudo por uma caneta.

2004

Foto: Pierre Bonna

segunda-feira, 23 de julho de 2007

ABISMO


Nada faz sentido.
O cheiro da morte povoa cada canto da casa e da alma.
Parar.
Descansar.
Tentar ouvir só silêncio.
Sobrevoar céus e infernos indefinidamente.
Achar as respostas que nunca obtive
Para as perguntas que tantas vezes fiz.
A mim e a tantos.
Uma lâmina afiada atravessa a íris.
Já nãoenxergo sol.
A luz foi desinventada para mim.
Estou sem norte.
Meu norte – que eu pensava existir –
Era uma ilusão adolescente,
Transformada em ira bruta
Sem chance para perdões.
Nem sei o que fiz
Para ter de volta tanto rancor
A quem só dediquei escuta e amor.
Estou perdida.

23/07/2007
Foto: Veronica Gaffon (Romênia)

sexta-feira, 13 de julho de 2007

CARTA PERDIDA 2


Quando acordar do seu sono, saiba que ainda estou aqui. Não, eu não roubei o seu coração, como você disse ontem, em meio à bebida e quase com raiva disso. Eu estou dentro dele. Só isso. Não posso, infelizmente, roubar a mim mesma. As coisas andam difíceis, sei. Mas, ontem,
passei por cima dos ciúmes e ficamos, como devemos ficar, embriagados em nossas fantasias tão reais. No fundo, a dor de te ver partir de novo, ainda que eu tente transpor este sentimento para a poesia, é uma dor parecida como a de ver morrer alguém ou algo que amamos. Talvez aquele gatinho de rua que costumava se enroscar em mim.
Doma a tristeza. Atropela com o teu riso lindo a angústia. Pilar não reconhece o teu amor. Não agora. Até nós não reconhecemos o nosso. A vida é assim mesmo, cheia de ironia. Mas tem o Sol, a chuva, o nublar e a beleza revestida em tudo isso. Procura tirar a carga de culpa que você não tem. Vamos ver o mar, ouvir as ondas e você até pode deixar o olhar perdido no “vem cá, Neinho” das bundas alheias. É direito seu.
Gostaria de ser não a última, mas a primeira mulher da sua vida. Aquela pessoa que chega, fora da ordem, mas é a que buscávamos, sem saber, todo o tempo. Você é o primeiro homem da minha vida. O meu hímem foi tirado por você, com dedo, língua e amor. Eu sei que você me ama. Eu sinto. Queria que você me levasse daqui, me arrancasse desta prisão de ter que ir, agora, registrar ponto como se a minha vida girasse ao mesmo tempo do relógio. Queria dividir coisas boas com você, passar uma borracha nas ruins, te agarrar e fazer amor tantas vezes quanto desejasse, a qualquer hora da noite ou do dia. Uma espécie de prece que só o Deus interior de cada um pode ouvir e atender.
Amo seu cheiro, sua alegria e até estes seus olhinhos perdidos de “jesus cristinho”. Estou apaixonada e amando absolutamente ao mesmo tempo. Isso confunde, porque, dizem, a paixão chega e só depois o amor vem. Estou com as duas coisas coladas em mim e o meu coração dispara por você, minhas mãos ficam frias e eu morro de saudades, mesmo quando estamos grudados um ao outro. É paixão-amor antigos, mas que se renovam a cada instante e me inquietam. Às vezes, quando a razão é imperiosa, penso em ousar o ponto final. Só que as reticências que despencam dos meus olhos, a cada vez que te vejo, são soberanas. Dizer eu te amo é simples. Se diz muito, o tempo todo. Amar de verdade é o que altera os batimentos cardíacos e a ordem das coisas. Você é o meu amor. Único, porque não há nada igual, ainda que muitas coisas se pareçam com outras tantas. Não quero eternidade. Quero o tempo de poder estar com você.

13/05/2001

quinta-feira, 12 de julho de 2007

OBSTÁCULOS


Salto todas as provas...
Nem ouro nem prata nem bronze...
Apenas o sentido-sentimento
De errar teclados, maiúsculas e minúsculas
Como num filme onde nada começa em caixa alta.
Definitivamente, este é um verso pequeno.

27/08/2004

terça-feira, 10 de julho de 2007

FILHOS DA SANTA



A mulher ralhava com os filhos. Havia um quê de sensatez naquelas queixas todas, mas, a grande mágoa, ela trazia escondida nos olhos vazios. Olhava os meninos e via a si mesma. Olhava e ainda podia sentir o ventre mexendo de um lado a outro, primeiro revelando alegria e, depois, a agonia de carregar um ser vivo por aí. Não desgostava das suas crias. Achava-as estranhas, é bem verdade. Tinham traços característicos de cada um dos pais. E, cada um dos pais enchia, ainda mais, de vazio o olhar triste daquela mulher perdida na vida de asfalto e tédio.
Já estava com 40 anos e não sabia mais ao certo qual o verdadeiro nome. Havia usado muitos. Para cada um dos seus amantes, inventava uma outra mulher. Era a forma encontrada por ela para esquecer as dores das relações antigas e das posteriores. Sempre lhe havia doído amar. Naquele quarto de pequenas dimensões, entre pôsteres de ídolos das telenovelas brasileiras e mexicanas, Zefinha, Maria, Luzia, Damiana, Lurdes, Raquel, e tantas outras mulheres que ela era, tecia desejos infinitos e incontáveis. Aquele mundinho de fantasia e papel era uma espécie de refúgio, de tesouro, de invenção desesperada por não saber mais nada além disso.
Quando descia a Ladeira da Montanha, em direção ao comércio, sempre pensava como seria diferente se os caminhos da miséria e do descaso não tivessem descoberto a marca dos seus pés. Lutava contra o próprio destino. E, entre as raras lembranças felizes, vez ou outra, cruzava, em flashback, com os olhos castanhos claros do único homem para quem nunca, em momento algum, ousou mudar o nome. Só ele sabia sua verdadeira graça. Seus sonhos. Seus segredos de infância, como as constantes investidas do irmão em fazer com que as abelhas, colocadas dentro de um saco, mordessem os dedinhos de criança. E ela, com sua inocência, sempre repetia o gesto, porque, naquele tempo, sabia esquecer da dor.
Agora, olhando um dos filhos e caçando nele a fisionomia daquele homem encantado, a mulher tropeçava em sentimentos torpes de desengano. Havia amado com medo, mas havia amado. Havia gestado aquele amor em quantos meses nem se lembra e, depois, num hospital vagabundo, havia sentido a dor de parir o amor em carne e osso. Não havia gostado deste experimento. Preferia o amor das novelas, das revistas, dos filmes da sessão da tarde, mas não. Por um lapso ou por uma rendição idiota ao mais belo do ser, havia se permitido o entorpecimento do amor em sua forma mais apavorante: a real.
Quando chegou ao final da Ladeira da Montanha, cansada, enxugando a lágrima misturada ao suor, deu de cara com os sete filhos. Cada um de um pai, mas apenas brotado de um sonho esquisito, proibitivo para a sua vida de descaminhos, marinheiros, homens sujos, desconhecidos. Caiu na cama de lençóis rasgados, sem sequer servir aos filhos a sopa feita com o chupa-molho dado pelo açougueiro amigo. Dormiu como uma santa, emoldurada em suas lembranças de amor desfeito. Meia hora depois, abriu as portas para o primeiro cliente. Os filhos sonhavam. Talvez.

Publicado no Caderno Dois de A TARDE em 12/02/2000

sábado, 7 de julho de 2007

FRIDA


Caçôo dos versos.
O que eles são?
Nada.
Só Janis Joplin a soar com Mercedes Benz.
Não tenho a volúpia que queria
nem a poesia mais pura que pretendia.
apenas falei.
Com quem?
Quem é você que me faz querer saber?
Uma incógnita a mais.
Só isso...?
Ou até Jimi Hendrix a soar em meus ouvidos?
Fiz frango ao molho quase xadrez,
couve ao vapor temperada ao alho e óleo.
Familiar, não?
Como tudo.
Até como a vida e até como a morte.
Sem mais nem menos.
Sem tirar nem por.
E o amor?
Frita sozinho como uma omelete.
Não quero falar da vida nem das fritas nem das Fridas,
mas o surreal de tudo me aborrece demais.

08/09/2004

Homenagem aos 100 anos de nascimento de Maldalena Carmen Frida Kahlo (1907-1954), considerada a mais importante pintora mexicana.

De 6 a 31 de julho, na Livraria Luzes da Cidade (Espaço de Cinema e Estação Ipanema, um evento presta as devidas homenagens. Leia mais no site www.cronicascariocas.com.br.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

INVENCIONISMOS



Tempos modernos estes.
Basta um clique e achamos de tudo.
Seja um amigo, um filho bastardo, um sádico...
Basta ligar o computador
E caminhar sem rumo
Ou em busca de um.
Saudades das cartas de amor
De antes
Do carteiro que demorava tanto a sorrir...
Saudades das saudades que sentia
Quando via que você estava me esperando
Naquele boteco da esquina
E que, verdadeiramente, se alegrava ao me ver.
E eu que não sabia que era tudo mentira.
Tanta ilusão que fiz e refiz
Para dar em nada.
Hoje, simplesmente, te vi.
Esquálido, com as roupas que te vesti.
Celebrando o aniversário,
Como tantas vezes fizemos juntos
E, muitas vezes, a sós.
Tive raiva.
Dor aguda na memória do amor que
Esqueci como desinventar.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

TATUAGEM


Corro para ouvir tua voz mais de perto. Há meia hora, não mais, nossos corpos eram rajadas de vento cintilando na noite incendiada. Agora, na solidão do quarto com paredes mapeadas por pôsteres de ídolos distantes, só escuto uma trilha desafinada que, sei, é tão-somente o meu pensamento. Ele, soberano como um deus mitológico, roubando de mim a tua presença.
Mas os teus olhos ainda estão grudados em mim e as tuas mãos, de um quadrado perfeito, permanecem sorrateiras pelo meu corpo. Pena que o silêncio do depois fira tão gravemente este momento de abstração pós-amor. Reflito, enquanto as horas me engolem, na sensação de estarmos nus, emendados por possibilidades de amores perfeitos. Tua alma ainda cavalga a cama, os lençóis, repousa nos meus seios e nada macula esta sensação. Tudo passa depressa demais. Tudo soa bonito demais. E, neste tempo de tudo e nada, tua imagem vai ganhando contornos reais. Beijo teu umbigo imaginado e a sensatez do meu desejo que emborca no teu dorso despido.
Hoje acordei assim. Pareço um pássaro longe de casa. Minhas asas atropelam o ar e o vôo incerto me faz despencar num mundo de sonho e loucura. Cássia Eller canta com sua voz de trovão, tão bem definida por Rita Lee. O livro de Paul Gauguin permanece na mesa com apenas algumas páginas devassadas. Estou atônita. Tomo tônica, coca-cola, um sal de frutas e como um kiwi experimentando o verde azedo da minha - tua solidão. Gostaria de atravessar a rua, ver tua imagem refletida no espelho. Mas você não está lá. Esteve e se foi. Tudo se vai, esvai... Não há como segurar as coisas. Até o gelo derrete!
Em meio a tantas divagações, caço teu sorriso raro. Teus dentes brancos com gosto de primeiro beijo. Tua pele adivinhada ao toque dos meus dedos. Teu andar de garça, sempre fugindo. Tenho uma pressa enorme. Uma rapidez de gestos capaz de enlouquecer a frágida poesia que teço.
Mas quanto mais me apresso, mais longe ficamos um do outro. Quanto mais te quero, mais te perco. Estranho este amor que evapora, mas que está aqui fervendo como uma água que queima todos os tecidos, nervos e cores pintadas na solidão do meu quarto. Há meia hora, não mais que isso, tu estavas aqui. Tatuagem de ternura que perturba o meu tempo. Dose de saudade que nada nem ninguém apaga.
Há meia hora, talvez um minuto mais, éramos universos doces e eternizados. Agora, somos maçãs perecíveis esquecidas num canto qualquer... E se não te mordo, não estilhaço e te abarco. Se não te roubo, alguém te encontra. Então te masco demoradamente e sinto gosto de vida nesta invenção que se desfaz em dentadas.


Publicado no Caderno Cultural de A TARDE em 28 de novembro de 1998, após ter sido censurado pela minha então editora, que considerou "uma trepada". O escritor Florisvaldo Mattos, editor do outro suplemento, aceitou a publicação sem questionamentos. Acredite, a censura ainda existe! Ou seria a insensibilidade?

sábado, 30 de junho de 2007

OLHOS DE LUZ


Acordei hoje vestindo teus olhos
O dia, tão mais claro, começou
A invadir os cômodos da casa...
Pelas frestas e por debaixo das portas.
Fui até o espelho e teus olhos
Pareciam a água que bate nas
Pedras do mar da praia de Amaralina
Como caiam-me bem!
Pensei em te devolver, mas,
A idéia dissipou-se em menos
De um longo meio segundo
Queria ver a rua com a tua íris clara
Como não houve reclamação,
Catei um par de tênis e cai no mundo
Que me levava a lugares habituais...
Todos e tudo estavam em preto-e-branco
Somente eu irradiava uma luz que não cabia
Noutros olhos nem noutras paisagens..
Subitamente, me lembrei que, na véspera,
Capturara uma foto tua, on-line,
Em que teus olhos saltavam sobre a sede dos meus
Passei boa parte do tempo a me lembrar
Também do teu sorriso largo
Feito barco em dia de partida
Quando mulheres se amontoam
No caís rezando para que ela,
A Rainha do Mar, devolva
Os seus homens ao final da jornada.
Quando retornei, cedi a cor dos teus olhos
A tudo o que via e descobri que,
Estranhamente, a vida era mais que o meu subsolo
De lembranças sombrias.
A casa estava repleta de sol
E os beija-flores, rápidos e exultantes,
Passeavam pelo quintal
Disfarçando o musgo das paredes
Com seus tons azuis e verdes.
Eram teus olhos que, vestidos por mim,
Me faziam ver tudo o que estava perdido.
Nem a breve chuva abortada pelo calor
Do inverno, pareceu tão bela.
Devolvi teus olhos, sem,
contudo, deixar de querê-los para sempre.
Não eram meus, sabia,
Mas estava atônita e apavorada
Com a impossibilidade de não vê-los mais
Nem mesmo numa foto a dois mil Km
de distância,
numa outra terra,
Tão longe e tão perto de mim.
Na foto, em preto-e-branco,
Abarquei sonhos e amplitudes
E sonhei, sem culpa,
Com os teus olhos colados em mim.

9/08/2006

sexta-feira, 29 de junho de 2007

CATAR PALAVRAS

Imagem: Trabalho de Fábio Fernando

Catar palavras
tentar achar o lugar certo de encaixá-las
fazê-las parecidas com o sol ou simplesmente seduzidas pela lua.
A poesia é isso.
A árdua tarefa de juntar o que não faz sentido...
como a vida que a gente pensa que leva, mas leva a gente.
Só isso.
Se hoje sou triste, pouco importa.
Daqui a pouco, sento-me diante da máquina
e vou tecendo alegrias inventadas.
Se estou insone,
coloco um filme longo e chato
e logo transformo a fita numa canção de ninar.
No mais, nada.
Uma saudade, talvez, que vem de longe,
que encolhe dentro de mim e,
sem que eu possa fazer nada,
ecoa pela casa.
Poetas, poetas...
são almas penadas neste mundo repleto de Cidades de Deus,
de comícios, farpas.
São os olhos cegos do amor que perdemos na esquina,
a dura e intrigante abnegação de si mesmo.
O resto é pó.
Pó de palavras queimadas pela falta de ouvidos e assuntos,
pó de móvel esquecido de limpar
e eu nada sei sobre poemas e poesias,
apenas costuro letras
como se tocasse uma canção inaudível.
2002


quinta-feira, 28 de junho de 2007

CARTA PERDIDA

Foto: Piotr Kweclich

É mais ou menos assim o dia de hoje. Nem sei mais a data. Sei que é uma sexta-feira, 20h23, e que, na segunda, bem antes deste horário, vou te ter nos braços. Só não sei se lá, logo ali, terei a terra firme que busco, na qual a poesia sirva de tapete para os meus e os nossos sonhos.
Sinto vontade de te colar nos braços. Te dar o seio para mamar, como se pudesse recuperar em você algo perdido n´algum lugar. Mas sou só mais uma mulher que te ama. Sem limites. Sem certezas outras que não sejam as que a beleza desse amor vai gerando em cada gesto. Seja quando te vejo, onde não estás ou quando estou onde não te vejo, sempre à cata do teu sorriso renovado que captei anos antes numa casinha simples da Federação.
Não sei se vou sofrer, não sei se vou cair no abismo do crer. Não sei de nada. Mas, não sei nem porquê, algo parece me guiar na tua direção. Como se fosse possível estar junto, fazer coisas juntos, amar os mesmos desejos, querer as mesmas coisas, viver a dois, sendo dois e sendo um. Aplacar as contradições, esquecer as mágoas que ainda trago em mim - não sei mentir - e pensar só no bom que é ser e estar. Ser assim exatamente como sou e estar com você, exatamente como você é.
Sei lá.
Sei não.
Como diria o poeta Carpinejar: "Venho de tua lonjura, os braços eram remos no barco e aço de âncora. Acostumado à extensão das raízes, não sobrevivo no vaso dos pés. Passei a vida aprendendo a respeitar teu espaço. Como povoá-lo após tua partida?"
Beijos.

Iza. 28 de dezembro de 2001


quarta-feira, 27 de junho de 2007

CASULO

Fotomontagem: Thiago Calbo



Quando entramos num casulo,
esperamos sair de lá com asas abertas.
Borboleta plena de nossos impulsos.
Beleza intensa das nossas mais vagas lembranças.
E, mesmo que a vida passe em preto-e-branco,
quem sabe não possamos tirar de algum lugar as cores que necessitamos.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

DO SILÊNCIO

Foto: Detay Michel (Austrália)


Quero o barulho mais intenso e imprevisível.
O do som da chave a tentar a fechadura
O dos seus passos arrastados voltando para a casa
O das nossas intermináveis conversas,amigáveis ou não.
O silêncio quebrado pelo seu cio ruidoso.
O som da sua voz rouca de blues colada em meu ouvido, a me ensurdecer com decibéis sussurrados na noite perdida.
Do seu espanto a afastar pássaros.
Do seu barulho de amor que não se cumpre nas ruas do Rio Vermelho.
Quero silêncios evadidos.
Quero apenas ouvir você.

DAS CERTEZAS

Foto: Agnieszka Degorsha (Polônia)

Foram tantas as minhas certezas
Que nem me permito pensar em engano
Estava tudo tão à mostra.
Todos os teus defeitos.
Todas as tuas mentiras.
Todas as tuas malditas mulheres do passado.
Mas de todas as certezas,
A última foi a pior delas.
O engano entre os cobertores.
Os sonhos que sonhaste de mãos dadas com sua amante esquelética
Ali, ao meu lado,
Correndo pela rua
Como crianças mortas.
E, depois, os dois
Perpetuados na nossa rede,
Entre cafunés e saudades de vossas infâncias,
Passando o estilete da maldade no meu coração
De menina ainda desprevenida.
Ainda, agora, os vejo
Crianças pálidas e mortas
A zombar da pequena infância que tive
E que vocês, sem dó, mancharam como quem derrama vinho na toalha branca
recém posta à mesa.

DO ETERNO

Foto: Jorge Alexandre (Praia dos Artistas - Salvador)

Guardei uma imagem tua no mais profundo da minha alma
Nunca hei de te esquecer.
Te lembrar é o castigo que me dei de livre e espontânea vontade
Para nunca mais acreditar
Em cabelos macios e olhos pedintes de anjo.
Ouço Hendrix e Floyd para não esquecer que te tive aqui.
Bem perto.
Dividindo vida e colchão.
Tua imagem fiz questão de borrar um pouco.
Como se estivesse te queimando vivo e aos poucos.
Crueldade também para não esquecer,
porque não esquecemos quem nos foi cruel.
Mestre nisto, te aguardo no inverso do paraíso.