quarta-feira, 25 de julho de 2007

CANETA DE ALGODÃO



Caio como chuva forte no campo sereno de algodão.
Sou espada reluzente nos pescoços que cortei
E dos quais nem me lembro mais...
Tenho quase nada a dizer,
Somente que perdi o último barco que partia daqui para muito longe e sem destino.
Tenho fome das vezes em que estive ao seu lado e não arranquei o beijo e muito menos o abraço que me serviriam de lembrança.
Meus pés não cabem no chão.
O chão não suporta o peso dos meus pés, ainda que a alma flutue distante de mim.
Rezei pecados que não cometi.
Apanhei por coisas que não fiz.
Sonhei que era feliz e acordei com os pulsos cortados.
Nenhuma imagem me basta.
Apenas a que tenho e escorrega pelo ralo da pia do banheiro quando escovo os dentes amanhecidos e com gosto de má dormir.
O espelho já não é amigo nem sensato.
Está ali, pousado na parede, como uma borboleta que esqueceu de ir embora.
Cato as lágrimas que caem no travesseiro.
Nem elas me suportam.
Fogem de mim como se eu fosse um pedaço fétido de animal morto.
Observo a quinta-feira com olhar desconfiado.
Nunca sei o que me aguarda na sexta.
Calculo na minha cabeça zonza
pensamentos torpes para te dizer.
Sei que tudo fica melhor quando os pensamentos desaparecem,
Atropelados pela minha vontade de que sequer cheguem a existir.
Estou a um palmo de tornar-me senhora de mim.
Sem requintes nem promessas.
Sem companhia.
Apenas carregando os retratos amarelados de um passado que não quis.
Nunca quis nada.
Esta é a verdade.
A vida veio de conta-gotas e espatifou-se no meu olhar de nada querer.
Agora, enquanto as palavras cobrem o papel, engulo o café com chocolate na esperança de que fosse cicuta.
Mas não é.
Nada é como gostaria que fosse.
Nem você.
Nem eu.
Nem as minhas palavras camufladas para a guerra que combato em mim mesma.
Trocaria tudo por uma caneta.

2004

Foto: Pierre Bonna

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