quarta-feira, 23 de junho de 2010

CLAUSURA

Iza Calbo


Começa a anoitecer e não há nada por trás das nuvens
No casulo intempestivo dos desejos
Somos castos e sonoros como ventos intransponíveis
E, enquanto o entardecer entorpece,
A alma procura resoluta o teu avesso

Não te chamo pelo nome, porque te teço de encanto
Os pássaros tontos são, todos eles, mudos
Então calo-me também para que não os afugente
Com a beleza pela qual te proclamas
Sei que estás perto, sei que estou longe
Há mistério em todos os véus que dispo
Em todos os cantos que meus pés desviam
E é bom estar longe do solo que também pisas
Vez ou outra desenhando trilhas

Não, não quero a sensatez do amor perfeito
Quero a dor do querer estilhaçado
E é sempre assim quando distante me deito
Na cama que arrumei para te colocar ao lado

Também dispenso o teu beijo de outra boca
E finjo não ver que te transformas em incógnita
Todas as vezes em que meus lábios sentem o beijo recente e desconhecido

Acostumo-me a te ter assim aos poucos
A te consumir lentamente
Quase como se fosses desaparecer de repente
Como às vezes o faz solenemente

Talvez beba assim o pecado mais sutil
E me deixe levar pelo veneno mais mortal de todos:
O de te amar sem nada esperar e seguir esperando que me ames

Minha face rubra de estupidez
Entrega aos passantes a condição de amante
E tonta e sem saber por onde ir
Cato nas fontes perdidas das cidades
Uma água que me mate, mas não de sede

Aprendi a ficar só e à espera
Só e inutilmente
Cavoucando nos papéis que escrevo e amasso
Um amor que nem sei se sentes

Rasgo trechos inteiros de intenções
Por que na poesia deste descompasso
Não encontro a verve do amar que traço

DO ENCANTO
Iza Calbo

“A maior besteira da vaidade está em achar que o outro se encontra desarmado. O encanto mata! " (IC)


Sorria do teu riso pela paz que ele me acenava
Tocava teus lábios porque neles via apenas alegria
Nunca imaginei que da tua boca ouviria palavras torpes,
Muito menos que o teu riso se desfaria em gritos alucinados.
Já não te reconheço
Já não te quero ver
Já não te quero mais
O tempo segue embaralhando as cartas do velho baralho
Mas já não temos mais como jogar
Não há nenhum ás escondido nas mangas
Muito menos a possibilidade de voltar à mesa do jantar
Catamos nossos cacos e não foi suficiente
Pedaços minúsculos da taça foram perdidos para sempre
E não temos como brindar nada em meio a tamanho desencantamento.
Estamos separados de corpos e de fato
Não mais nos abraçaremos repletos de saudades
E embriagados de nós mesmos
Seguimos, agora, em direções opostas
E eu já não preciso mais te olhar
Nem zelar por ti
Ganhaste o espaço de novo
E nos perdemos nesta imensidão
Que dobra a esquina sem olhar para trás
Não desperdice palavras
Nem tente bordar enfeites inexistentes
Até o passado vai ficando embaçado
E o teu riso, antes a marca da tua/nossa alegria
É agora uma lembrança perdida na neblina
Das esperanças sem acalanto.

Imagem: Fotomontagem/Net

sábado, 5 de junho de 2010

A MENINA E O BRANCO


IZA CALBO


Sábado.
Nada parece ser o que é.
Os bêbados na esquina.
As frutas vendidas em bancas nas ruas.
Os sorrisos apressados.
O quase atropelo do homem maltrapilho.

Passo esmalte azul nas unhas.
Minhas mãos, assim coloridas,
Despejam palavras sem vértebras no papel.
O amor passou por mim
E eu sequer notei.

Talvez o cheiro cítrico do incenso
Tenha embotado a minha capacidade de sentir.

Olho a foto.
Tudo está branco.
A menina pousada no sofá
Esbanja curvas sinuosas
Que percorrem a lente da câmera
E se eternizam ali. Para sempre.

Olho de novo
E busco detalhes...
Os pés pequeninos
A displicência quase inocente
Da menina que ama mulheres
E se entrega às amantes
Num quase acinte ao que penso ser sensatez.

O plano é perfeito.
O branco é exato.
E a menina?
A menina não sabe ter sido flagrada em sua inocência.

Somente isso explica a beleza distinta do momento
Como se a bela pequena fosse uma divindade
E talvez o seja.
Olhando a foto, em preto-e-branco enfatizada
A personagem central do foco
Parece deitada,
Num ângulo de cachoeira...

Pode-se sentir a água doce.
E tudo que a menina exala
Provocando ora candura, ora espanto
Seria mãe ou filha-de-santo?
Seria quadro pintado a mão?
Folhinha de borracharia? Propaganda de revista?

Ninguém sabe.
Sabe-se apenas que, é FATO:
A FOTO encanta.

PS: Para Leila Machado

sexta-feira, 4 de junho de 2010

CARTA DO FIM



IZA CALBO

Salvador, Bahia Brasil, 04/06/2010


Bethânia enche o pequeno sótão de sentimento. Já não estou sozinha. Não agora. Relembro coisas, paisagens, momentos. Pessoas que foram, que são, que podem vir a ser. A falta do seu olhar bobo de anjo. O corpo estirado à espera de sexo. O sexo jogado no sofá como uma manobra de xadrez. O gozo imaginado. As imagens que excitam; o disparar do coração dilacerado...
Tudo parece estranhamente belo. Como escrever usando caneta e papel para, só depois, usar o asséptico teclado do computador. A casa tão cheia de mim, que de tão vazia já nem sei quem sou. O cheiro do café que fazias e que já não faço. O pão quente que trazias e que aboli da casa como se a me livrar de tudo que nos lembre ou que te lembre.
Contudo, apesar destes desvios propositais; do feijão feito sem esmero porque comer sozinha (o) é aprender a não se importar com o sabor... Apesar de tudo isso, volta e meia esbarro no teu traço rude; na tua boca sempre pronta ao beijo; no meu medo de que partistes. E vejo, então, que nada impediu que outra pessoa viesse e te levasse pelas mãos e se metesse entre seus braços. E as mãos que só segurávamos como nós, até estas se perderam das minhas. Restou apenas a lembrança do toque, do jeito de entrelaçar os dedos e sair rua afora em busca de qualquer caminho.
Sempre sentirei saudades. Até mesmo do que não vivemos. Porque guardei os teus olhos para o eterno e a tua falta para o abismo. Meu desespero virou passatempo. Meu sorriso, escassez. Só restaram algumas fotos já deletadas; o sabor inesquecível do amor que dizias sentir... E mais nada.
O relógio vive parado. Melhor assim. Não gosto dos ponteiros passando; do tic-tac; da sua exatidão tão inexata. Na parede do quarto, deixei o vazio. Não ouso preenchê-lo. Na pequena sala, algumas coisas de um passado sem volta; de uma amargura que grita até quando a vida parece calar.
Nunca mais te olharei nos olhos. Nem tocarei tuas mãos, muito menos teus cabelos finos. O anjo que encontrei na esquina morreu de overdose. Tomou falsas promessas em excesso e agonizou diante de mim, acolhido por uma pessoa qualquer que não fazia parte desta história. Uma história que deveria durar, ainda que o meu tempo estivesse adiante do seu. Adiantado mesmo, ainda que todos os relógios do mundo parassem.
Salvador, 18 horas. Caetano canta. Chove, porque no Outono a chuva insiste em se esfregar nas janelas e o vento canta uma canção esquisita, quase atrapalhando o som da sala. O som que ouvíamos quando chegávamos do mar, temperados de sal e sol. A vida é assim: uma interrupção seguida de outra até que a morte chegue enchendo o vazio com um vazio ainda maior e mais intenso: o fim de um de nós.


Abraços e um toque nas tuas mãos. Até isso me negaste.

Imagem: Internet

A QUASE MORTE DO AMOR


IZA CALBO

Parei de amar para não matar o amor
Deixei um algodão doce sobre o mármore da cozinha
Para que sentisses a minha partida como a um parque de domingo
Não fiz as malas. Não levei as coisas que eram minhas. Parti quieta
Quase como quem enlouquece no meio da noite e de si mesmo.
Não quis estragar o teu sorriso lindo com um quê estranho de espanto.
Toquei-te suavemente evitando que acordaste
Não quis que me visses dar as costas
Porque não era o pretendido.
Sinto ainda teus dentes alvos arrancando pedaços do meu corpo
E o teu jeito sereno de pedir carinho em meio ao pranto.
Parei de amar o amor que estava adoecendo
O amor que uma vez parou na porta do quarto
O amor que não chegamos a fazer.
Parei de amar o amor que levei embora e que guardo em mim
Como a um anjo desesperado com asas arrancadas sem prévio aviso.
Ao parar de amar o amor, parei de fingir não amar-te
E colei o amor casto, intocado, numa das estantes do meu ser sem sentido
E, assim, matando o amor que tanto amo,
Perdi o senso do que poderia amar além do amor quase morto.

IMAGEM: WEB

terça-feira, 1 de junho de 2010

SER




IZA CALBO


Tem quem viva para ser feliz e quem viva para ser algoz de si mesmo
Tem quem nos deixe em paz e tem quem faça questão de mostrar a paz como algo inacessível

Tem filhos que merecem os pais que tem, pais que não merecem os filhos que tiveram
Tem Homens que nos fazem sentir gente e os que fazem com que queiramos, a todo custo, sair correndo para um lugar aonde nada chegue até nós

Tem os traidores; os traídos; os inocentes; os bandidos
Tem até quem se ache superior e apto a julgar todas as nossas ações sem olhar para as próprias

Tem quem desatine e quem pense duas vezes antes de calar
Tem quem mereça viver, crescer, parir para sentir na pele todas as contrações dos partos malditos
Porque talvez deste modo, estes seres possam entender o amor na sua plenitude sem ter a coragem
de dar o primeiro tapa e causar o primeiro assombro

Tem quem deixe saudade e tem quem não nos faça sentir absolutamente nada,
a não ser o desejo de ser completamente apagado daquela cena vivida ou não
Tem mulheres que se submetem; homens que roubam infâncias; crianças que permitem ter suas infâncias perdidas; mães que consentem; pais que se calam; irmãos que se amam e irmãos que se matam

Tem de tudo neste mundo. Mas tem a chamada escolha e, por sermos frutos destas, devemos carregar fardos insuportáveis ou viver leves e com a sensação plena de que voar é, sim, algo viável

Tem quem busque a faca amolada para tirar vidas e quem a use apenas para preparar um bife a ser servido no almoço em família. Há quem porte arma e há quem porte palavras suaves mais eficazes que um tiro na fronte.

Tem aquele dia em que seria melhor não acordar; não atender ao telefone; não sonhar com um novo amor; não lamentar os amores perdidos

Tem razões e sem-razões
Possibilidades e falta destas. E, para sorte de muitos, tem a tal da sorte que alguns carregam como a uma estrela pregada nos pés.
Pessoas que trilham somente os caminhos mais brilhantes e as que se deixam matar, aos poucos, embaixo das marquises.
Tem quem use drogas e tem quem não ache graça alguma em viver com a mente embaçada de ilusões efêmeras.

Tem quem trague o seu cigarro e tem quem traga vida a nós. No mais, se tem o SER que pode ser humano e deixar impressões delicadas por onde passe
E tem os que desconheçam o prazer da humanidade e, por isso, semeiem sempre tempestades ainda que se refugiem em preces e suplicas sem saber ao menos que existe algo maior que a insanidade do dia a dia.

Tem você, eu, ele, ela, aquele, aquela e os que são chamados de ninguém. Mas tem aquele ninguém que, um dia, sem saber por que, descobre que pode ser BOM e DIGNO. A estes, por maior que seja a distância, serão sempre chamados e amados como AMIGOS.

Aos meus AMIGOS boas-vindas. Aos inimigos, uma prece para que descubram em si mesmos que o ressentimento é uma cruz pesada e espinhenta e que não vale a pena carregá-lo porque, quem tem coração, jamais será cortado pela insensatez dos seres ditos sem luz.

E, para terminar, tem a luz para quem quiser sair das sombras

Imagem: Internet