quarta-feira, 21 de setembro de 2011

COLECIONADOR DE ALMAS


Foto: Montagem feita pela autora, onde se vê um homem passando na penumbra e duas mulheres esticadas, nuas, num chão lamacento

IZA CALBO

Arrancaste minha alma com os dentes
Cuspindo, na minha frente, os pedaços que eram teus
Não me deste tempo de desatar os nós
Que tu mesmo fizeste feito marinheiro que és
Para que estivéssemos sempre juntos
Ainda que soubesses da tua sina de abandonar os portos
E da tua falta de coragem de ser o último a deixar o navio

Assististe ao naufrágio do meu amor
Como quem assiste a um filme sem necessitar ler as legendas
Tens a capacidade de saber outras línguas
E, por isso, pouco te importaste em prestar atenção na que meu coração te falava

Saíste de cena da mesma forma como apareceste
De repente, sem avisar, se aninhando no colo que nunca, de fato, quiseste ter
Tua atuação, digna de aplausos, foi imitação barata de filmes que vimos abraçados
Nunca imaginei que o fim fosse ter a dor do incompreensível
Como tantas películas que nos deixam ser saber ao certo o que aconteceu

Roubaste meus melhores dias
E, não satisfeito, meus melhores momentos
Na tua trama assassina me puseste num dos montes de corpos
Como fazes por onde passas...
Esticados no curtume das tuas andanças vis

Amanheci hoje com os teus tantos “eu te amo” ecoando nos meus ouvidos surdos de querer
Deveria ter notado que até no tratamento que ofertas a quem dizes amar
Os termos se repetem
Mudam apenas os corpos e os rostos
Para que não precises ter o trabalho de recomeçar

Mas as tuas falhas de continuidade
São irmãs gêmeas do teu caráter torto
Se hoje ainda acordo e lembro-me disso tudo
E para que nunca mais possa ter a vontade de cruzar a mesma rua
Ou passar por cima do chão que pisas

Sei teu endereço, os lugares que freqüentas... As coisas que fazes
Mas recolho-me, ermitã, evitando a todo custo cruzar o teu caminho
Antes, o teu caminho era a lanterna que usava para não me perder
Desconhecia o abismo onde me atirarias
Tão logo estivesses pronto para ter futuro mais promissor
Não que busques algo tão ingênuo quanto o amor
Longe, bem longe disso
Tuas posses são muito mais amadas que as tuas vítimas
Enjauladas pelo teu carinho falso e mordaz

És um algoz
Nisso podes saber-te perfeito
No mais, és uma pessoa sem nada
Além das almas que levas junto com as tuas malas
Colecionando a essência dos que te amam
Para, quem sabe, um dia, ter alguma essência que te valha