terça-feira, 31 de julho de 2007

AREIA


Pousei os olhos na paisagem
em busca do que éramos.
Não havia mais o vaivém das águas
tocando as pedras como quem faz amor.
Pensei que havíamos sido.
Achei que poderíamos ter ido além.
Mas, no mar debruçada,
buscando as letras que atirei nas águas
ao te ver chegar,
percebi que nada mais havia.
Nem mesmo o sol que nos incendiava
ou a noite que nos tornava
embriagados de nós mesmos.
Na areia, a cada passo,
apenas um nome riscado
que as ondas teimavam em apagar:
SAUDADE.

11/08/2006

sábado, 28 de julho de 2007

RECADO


AMO VOCÊ
COMO SOL DA MANHÃ
LUA DA NOITE
SONO QUE NÃO CHEGA
TUA PRESENÇA
ENCHE MINHA VIDA
DE ALEGRIA
E A TUA IMAGEM
É PÁSSARO SOLTO
NA LIBERDADE
DE TE TER ENTRE AS COXAS

quarta-feira, 25 de julho de 2007

CANETA DE ALGODÃO



Caio como chuva forte no campo sereno de algodão.
Sou espada reluzente nos pescoços que cortei
E dos quais nem me lembro mais...
Tenho quase nada a dizer,
Somente que perdi o último barco que partia daqui para muito longe e sem destino.
Tenho fome das vezes em que estive ao seu lado e não arranquei o beijo e muito menos o abraço que me serviriam de lembrança.
Meus pés não cabem no chão.
O chão não suporta o peso dos meus pés, ainda que a alma flutue distante de mim.
Rezei pecados que não cometi.
Apanhei por coisas que não fiz.
Sonhei que era feliz e acordei com os pulsos cortados.
Nenhuma imagem me basta.
Apenas a que tenho e escorrega pelo ralo da pia do banheiro quando escovo os dentes amanhecidos e com gosto de má dormir.
O espelho já não é amigo nem sensato.
Está ali, pousado na parede, como uma borboleta que esqueceu de ir embora.
Cato as lágrimas que caem no travesseiro.
Nem elas me suportam.
Fogem de mim como se eu fosse um pedaço fétido de animal morto.
Observo a quinta-feira com olhar desconfiado.
Nunca sei o que me aguarda na sexta.
Calculo na minha cabeça zonza
pensamentos torpes para te dizer.
Sei que tudo fica melhor quando os pensamentos desaparecem,
Atropelados pela minha vontade de que sequer cheguem a existir.
Estou a um palmo de tornar-me senhora de mim.
Sem requintes nem promessas.
Sem companhia.
Apenas carregando os retratos amarelados de um passado que não quis.
Nunca quis nada.
Esta é a verdade.
A vida veio de conta-gotas e espatifou-se no meu olhar de nada querer.
Agora, enquanto as palavras cobrem o papel, engulo o café com chocolate na esperança de que fosse cicuta.
Mas não é.
Nada é como gostaria que fosse.
Nem você.
Nem eu.
Nem as minhas palavras camufladas para a guerra que combato em mim mesma.
Trocaria tudo por uma caneta.

2004

Foto: Pierre Bonna

segunda-feira, 23 de julho de 2007

ABISMO


Nada faz sentido.
O cheiro da morte povoa cada canto da casa e da alma.
Parar.
Descansar.
Tentar ouvir só silêncio.
Sobrevoar céus e infernos indefinidamente.
Achar as respostas que nunca obtive
Para as perguntas que tantas vezes fiz.
A mim e a tantos.
Uma lâmina afiada atravessa a íris.
Já nãoenxergo sol.
A luz foi desinventada para mim.
Estou sem norte.
Meu norte – que eu pensava existir –
Era uma ilusão adolescente,
Transformada em ira bruta
Sem chance para perdões.
Nem sei o que fiz
Para ter de volta tanto rancor
A quem só dediquei escuta e amor.
Estou perdida.

23/07/2007
Foto: Veronica Gaffon (Romênia)

sexta-feira, 13 de julho de 2007

CARTA PERDIDA 2


Quando acordar do seu sono, saiba que ainda estou aqui. Não, eu não roubei o seu coração, como você disse ontem, em meio à bebida e quase com raiva disso. Eu estou dentro dele. Só isso. Não posso, infelizmente, roubar a mim mesma. As coisas andam difíceis, sei. Mas, ontem,
passei por cima dos ciúmes e ficamos, como devemos ficar, embriagados em nossas fantasias tão reais. No fundo, a dor de te ver partir de novo, ainda que eu tente transpor este sentimento para a poesia, é uma dor parecida como a de ver morrer alguém ou algo que amamos. Talvez aquele gatinho de rua que costumava se enroscar em mim.
Doma a tristeza. Atropela com o teu riso lindo a angústia. Pilar não reconhece o teu amor. Não agora. Até nós não reconhecemos o nosso. A vida é assim mesmo, cheia de ironia. Mas tem o Sol, a chuva, o nublar e a beleza revestida em tudo isso. Procura tirar a carga de culpa que você não tem. Vamos ver o mar, ouvir as ondas e você até pode deixar o olhar perdido no “vem cá, Neinho” das bundas alheias. É direito seu.
Gostaria de ser não a última, mas a primeira mulher da sua vida. Aquela pessoa que chega, fora da ordem, mas é a que buscávamos, sem saber, todo o tempo. Você é o primeiro homem da minha vida. O meu hímem foi tirado por você, com dedo, língua e amor. Eu sei que você me ama. Eu sinto. Queria que você me levasse daqui, me arrancasse desta prisão de ter que ir, agora, registrar ponto como se a minha vida girasse ao mesmo tempo do relógio. Queria dividir coisas boas com você, passar uma borracha nas ruins, te agarrar e fazer amor tantas vezes quanto desejasse, a qualquer hora da noite ou do dia. Uma espécie de prece que só o Deus interior de cada um pode ouvir e atender.
Amo seu cheiro, sua alegria e até estes seus olhinhos perdidos de “jesus cristinho”. Estou apaixonada e amando absolutamente ao mesmo tempo. Isso confunde, porque, dizem, a paixão chega e só depois o amor vem. Estou com as duas coisas coladas em mim e o meu coração dispara por você, minhas mãos ficam frias e eu morro de saudades, mesmo quando estamos grudados um ao outro. É paixão-amor antigos, mas que se renovam a cada instante e me inquietam. Às vezes, quando a razão é imperiosa, penso em ousar o ponto final. Só que as reticências que despencam dos meus olhos, a cada vez que te vejo, são soberanas. Dizer eu te amo é simples. Se diz muito, o tempo todo. Amar de verdade é o que altera os batimentos cardíacos e a ordem das coisas. Você é o meu amor. Único, porque não há nada igual, ainda que muitas coisas se pareçam com outras tantas. Não quero eternidade. Quero o tempo de poder estar com você.

13/05/2001

quinta-feira, 12 de julho de 2007

OBSTÁCULOS


Salto todas as provas...
Nem ouro nem prata nem bronze...
Apenas o sentido-sentimento
De errar teclados, maiúsculas e minúsculas
Como num filme onde nada começa em caixa alta.
Definitivamente, este é um verso pequeno.

27/08/2004

terça-feira, 10 de julho de 2007

FILHOS DA SANTA



A mulher ralhava com os filhos. Havia um quê de sensatez naquelas queixas todas, mas, a grande mágoa, ela trazia escondida nos olhos vazios. Olhava os meninos e via a si mesma. Olhava e ainda podia sentir o ventre mexendo de um lado a outro, primeiro revelando alegria e, depois, a agonia de carregar um ser vivo por aí. Não desgostava das suas crias. Achava-as estranhas, é bem verdade. Tinham traços característicos de cada um dos pais. E, cada um dos pais enchia, ainda mais, de vazio o olhar triste daquela mulher perdida na vida de asfalto e tédio.
Já estava com 40 anos e não sabia mais ao certo qual o verdadeiro nome. Havia usado muitos. Para cada um dos seus amantes, inventava uma outra mulher. Era a forma encontrada por ela para esquecer as dores das relações antigas e das posteriores. Sempre lhe havia doído amar. Naquele quarto de pequenas dimensões, entre pôsteres de ídolos das telenovelas brasileiras e mexicanas, Zefinha, Maria, Luzia, Damiana, Lurdes, Raquel, e tantas outras mulheres que ela era, tecia desejos infinitos e incontáveis. Aquele mundinho de fantasia e papel era uma espécie de refúgio, de tesouro, de invenção desesperada por não saber mais nada além disso.
Quando descia a Ladeira da Montanha, em direção ao comércio, sempre pensava como seria diferente se os caminhos da miséria e do descaso não tivessem descoberto a marca dos seus pés. Lutava contra o próprio destino. E, entre as raras lembranças felizes, vez ou outra, cruzava, em flashback, com os olhos castanhos claros do único homem para quem nunca, em momento algum, ousou mudar o nome. Só ele sabia sua verdadeira graça. Seus sonhos. Seus segredos de infância, como as constantes investidas do irmão em fazer com que as abelhas, colocadas dentro de um saco, mordessem os dedinhos de criança. E ela, com sua inocência, sempre repetia o gesto, porque, naquele tempo, sabia esquecer da dor.
Agora, olhando um dos filhos e caçando nele a fisionomia daquele homem encantado, a mulher tropeçava em sentimentos torpes de desengano. Havia amado com medo, mas havia amado. Havia gestado aquele amor em quantos meses nem se lembra e, depois, num hospital vagabundo, havia sentido a dor de parir o amor em carne e osso. Não havia gostado deste experimento. Preferia o amor das novelas, das revistas, dos filmes da sessão da tarde, mas não. Por um lapso ou por uma rendição idiota ao mais belo do ser, havia se permitido o entorpecimento do amor em sua forma mais apavorante: a real.
Quando chegou ao final da Ladeira da Montanha, cansada, enxugando a lágrima misturada ao suor, deu de cara com os sete filhos. Cada um de um pai, mas apenas brotado de um sonho esquisito, proibitivo para a sua vida de descaminhos, marinheiros, homens sujos, desconhecidos. Caiu na cama de lençóis rasgados, sem sequer servir aos filhos a sopa feita com o chupa-molho dado pelo açougueiro amigo. Dormiu como uma santa, emoldurada em suas lembranças de amor desfeito. Meia hora depois, abriu as portas para o primeiro cliente. Os filhos sonhavam. Talvez.

Publicado no Caderno Dois de A TARDE em 12/02/2000

sábado, 7 de julho de 2007

FRIDA


Caçôo dos versos.
O que eles são?
Nada.
Só Janis Joplin a soar com Mercedes Benz.
Não tenho a volúpia que queria
nem a poesia mais pura que pretendia.
apenas falei.
Com quem?
Quem é você que me faz querer saber?
Uma incógnita a mais.
Só isso...?
Ou até Jimi Hendrix a soar em meus ouvidos?
Fiz frango ao molho quase xadrez,
couve ao vapor temperada ao alho e óleo.
Familiar, não?
Como tudo.
Até como a vida e até como a morte.
Sem mais nem menos.
Sem tirar nem por.
E o amor?
Frita sozinho como uma omelete.
Não quero falar da vida nem das fritas nem das Fridas,
mas o surreal de tudo me aborrece demais.

08/09/2004

Homenagem aos 100 anos de nascimento de Maldalena Carmen Frida Kahlo (1907-1954), considerada a mais importante pintora mexicana.

De 6 a 31 de julho, na Livraria Luzes da Cidade (Espaço de Cinema e Estação Ipanema, um evento presta as devidas homenagens. Leia mais no site www.cronicascariocas.com.br.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

INVENCIONISMOS



Tempos modernos estes.
Basta um clique e achamos de tudo.
Seja um amigo, um filho bastardo, um sádico...
Basta ligar o computador
E caminhar sem rumo
Ou em busca de um.
Saudades das cartas de amor
De antes
Do carteiro que demorava tanto a sorrir...
Saudades das saudades que sentia
Quando via que você estava me esperando
Naquele boteco da esquina
E que, verdadeiramente, se alegrava ao me ver.
E eu que não sabia que era tudo mentira.
Tanta ilusão que fiz e refiz
Para dar em nada.
Hoje, simplesmente, te vi.
Esquálido, com as roupas que te vesti.
Celebrando o aniversário,
Como tantas vezes fizemos juntos
E, muitas vezes, a sós.
Tive raiva.
Dor aguda na memória do amor que
Esqueci como desinventar.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

TATUAGEM


Corro para ouvir tua voz mais de perto. Há meia hora, não mais, nossos corpos eram rajadas de vento cintilando na noite incendiada. Agora, na solidão do quarto com paredes mapeadas por pôsteres de ídolos distantes, só escuto uma trilha desafinada que, sei, é tão-somente o meu pensamento. Ele, soberano como um deus mitológico, roubando de mim a tua presença.
Mas os teus olhos ainda estão grudados em mim e as tuas mãos, de um quadrado perfeito, permanecem sorrateiras pelo meu corpo. Pena que o silêncio do depois fira tão gravemente este momento de abstração pós-amor. Reflito, enquanto as horas me engolem, na sensação de estarmos nus, emendados por possibilidades de amores perfeitos. Tua alma ainda cavalga a cama, os lençóis, repousa nos meus seios e nada macula esta sensação. Tudo passa depressa demais. Tudo soa bonito demais. E, neste tempo de tudo e nada, tua imagem vai ganhando contornos reais. Beijo teu umbigo imaginado e a sensatez do meu desejo que emborca no teu dorso despido.
Hoje acordei assim. Pareço um pássaro longe de casa. Minhas asas atropelam o ar e o vôo incerto me faz despencar num mundo de sonho e loucura. Cássia Eller canta com sua voz de trovão, tão bem definida por Rita Lee. O livro de Paul Gauguin permanece na mesa com apenas algumas páginas devassadas. Estou atônita. Tomo tônica, coca-cola, um sal de frutas e como um kiwi experimentando o verde azedo da minha - tua solidão. Gostaria de atravessar a rua, ver tua imagem refletida no espelho. Mas você não está lá. Esteve e se foi. Tudo se vai, esvai... Não há como segurar as coisas. Até o gelo derrete!
Em meio a tantas divagações, caço teu sorriso raro. Teus dentes brancos com gosto de primeiro beijo. Tua pele adivinhada ao toque dos meus dedos. Teu andar de garça, sempre fugindo. Tenho uma pressa enorme. Uma rapidez de gestos capaz de enlouquecer a frágida poesia que teço.
Mas quanto mais me apresso, mais longe ficamos um do outro. Quanto mais te quero, mais te perco. Estranho este amor que evapora, mas que está aqui fervendo como uma água que queima todos os tecidos, nervos e cores pintadas na solidão do meu quarto. Há meia hora, não mais que isso, tu estavas aqui. Tatuagem de ternura que perturba o meu tempo. Dose de saudade que nada nem ninguém apaga.
Há meia hora, talvez um minuto mais, éramos universos doces e eternizados. Agora, somos maçãs perecíveis esquecidas num canto qualquer... E se não te mordo, não estilhaço e te abarco. Se não te roubo, alguém te encontra. Então te masco demoradamente e sinto gosto de vida nesta invenção que se desfaz em dentadas.


Publicado no Caderno Cultural de A TARDE em 28 de novembro de 1998, após ter sido censurado pela minha então editora, que considerou "uma trepada". O escritor Florisvaldo Mattos, editor do outro suplemento, aceitou a publicação sem questionamentos. Acredite, a censura ainda existe! Ou seria a insensibilidade?