sábado, 30 de junho de 2007

OLHOS DE LUZ


Acordei hoje vestindo teus olhos
O dia, tão mais claro, começou
A invadir os cômodos da casa...
Pelas frestas e por debaixo das portas.
Fui até o espelho e teus olhos
Pareciam a água que bate nas
Pedras do mar da praia de Amaralina
Como caiam-me bem!
Pensei em te devolver, mas,
A idéia dissipou-se em menos
De um longo meio segundo
Queria ver a rua com a tua íris clara
Como não houve reclamação,
Catei um par de tênis e cai no mundo
Que me levava a lugares habituais...
Todos e tudo estavam em preto-e-branco
Somente eu irradiava uma luz que não cabia
Noutros olhos nem noutras paisagens..
Subitamente, me lembrei que, na véspera,
Capturara uma foto tua, on-line,
Em que teus olhos saltavam sobre a sede dos meus
Passei boa parte do tempo a me lembrar
Também do teu sorriso largo
Feito barco em dia de partida
Quando mulheres se amontoam
No caís rezando para que ela,
A Rainha do Mar, devolva
Os seus homens ao final da jornada.
Quando retornei, cedi a cor dos teus olhos
A tudo o que via e descobri que,
Estranhamente, a vida era mais que o meu subsolo
De lembranças sombrias.
A casa estava repleta de sol
E os beija-flores, rápidos e exultantes,
Passeavam pelo quintal
Disfarçando o musgo das paredes
Com seus tons azuis e verdes.
Eram teus olhos que, vestidos por mim,
Me faziam ver tudo o que estava perdido.
Nem a breve chuva abortada pelo calor
Do inverno, pareceu tão bela.
Devolvi teus olhos, sem,
contudo, deixar de querê-los para sempre.
Não eram meus, sabia,
Mas estava atônita e apavorada
Com a impossibilidade de não vê-los mais
Nem mesmo numa foto a dois mil Km
de distância,
numa outra terra,
Tão longe e tão perto de mim.
Na foto, em preto-e-branco,
Abarquei sonhos e amplitudes
E sonhei, sem culpa,
Com os teus olhos colados em mim.

9/08/2006

sexta-feira, 29 de junho de 2007

CATAR PALAVRAS

Imagem: Trabalho de Fábio Fernando

Catar palavras
tentar achar o lugar certo de encaixá-las
fazê-las parecidas com o sol ou simplesmente seduzidas pela lua.
A poesia é isso.
A árdua tarefa de juntar o que não faz sentido...
como a vida que a gente pensa que leva, mas leva a gente.
Só isso.
Se hoje sou triste, pouco importa.
Daqui a pouco, sento-me diante da máquina
e vou tecendo alegrias inventadas.
Se estou insone,
coloco um filme longo e chato
e logo transformo a fita numa canção de ninar.
No mais, nada.
Uma saudade, talvez, que vem de longe,
que encolhe dentro de mim e,
sem que eu possa fazer nada,
ecoa pela casa.
Poetas, poetas...
são almas penadas neste mundo repleto de Cidades de Deus,
de comícios, farpas.
São os olhos cegos do amor que perdemos na esquina,
a dura e intrigante abnegação de si mesmo.
O resto é pó.
Pó de palavras queimadas pela falta de ouvidos e assuntos,
pó de móvel esquecido de limpar
e eu nada sei sobre poemas e poesias,
apenas costuro letras
como se tocasse uma canção inaudível.
2002


quinta-feira, 28 de junho de 2007

CARTA PERDIDA

Foto: Piotr Kweclich

É mais ou menos assim o dia de hoje. Nem sei mais a data. Sei que é uma sexta-feira, 20h23, e que, na segunda, bem antes deste horário, vou te ter nos braços. Só não sei se lá, logo ali, terei a terra firme que busco, na qual a poesia sirva de tapete para os meus e os nossos sonhos.
Sinto vontade de te colar nos braços. Te dar o seio para mamar, como se pudesse recuperar em você algo perdido n´algum lugar. Mas sou só mais uma mulher que te ama. Sem limites. Sem certezas outras que não sejam as que a beleza desse amor vai gerando em cada gesto. Seja quando te vejo, onde não estás ou quando estou onde não te vejo, sempre à cata do teu sorriso renovado que captei anos antes numa casinha simples da Federação.
Não sei se vou sofrer, não sei se vou cair no abismo do crer. Não sei de nada. Mas, não sei nem porquê, algo parece me guiar na tua direção. Como se fosse possível estar junto, fazer coisas juntos, amar os mesmos desejos, querer as mesmas coisas, viver a dois, sendo dois e sendo um. Aplacar as contradições, esquecer as mágoas que ainda trago em mim - não sei mentir - e pensar só no bom que é ser e estar. Ser assim exatamente como sou e estar com você, exatamente como você é.
Sei lá.
Sei não.
Como diria o poeta Carpinejar: "Venho de tua lonjura, os braços eram remos no barco e aço de âncora. Acostumado à extensão das raízes, não sobrevivo no vaso dos pés. Passei a vida aprendendo a respeitar teu espaço. Como povoá-lo após tua partida?"
Beijos.

Iza. 28 de dezembro de 2001


quarta-feira, 27 de junho de 2007

CASULO

Fotomontagem: Thiago Calbo



Quando entramos num casulo,
esperamos sair de lá com asas abertas.
Borboleta plena de nossos impulsos.
Beleza intensa das nossas mais vagas lembranças.
E, mesmo que a vida passe em preto-e-branco,
quem sabe não possamos tirar de algum lugar as cores que necessitamos.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

DO SILÊNCIO

Foto: Detay Michel (Austrália)


Quero o barulho mais intenso e imprevisível.
O do som da chave a tentar a fechadura
O dos seus passos arrastados voltando para a casa
O das nossas intermináveis conversas,amigáveis ou não.
O silêncio quebrado pelo seu cio ruidoso.
O som da sua voz rouca de blues colada em meu ouvido, a me ensurdecer com decibéis sussurrados na noite perdida.
Do seu espanto a afastar pássaros.
Do seu barulho de amor que não se cumpre nas ruas do Rio Vermelho.
Quero silêncios evadidos.
Quero apenas ouvir você.

DAS CERTEZAS

Foto: Agnieszka Degorsha (Polônia)

Foram tantas as minhas certezas
Que nem me permito pensar em engano
Estava tudo tão à mostra.
Todos os teus defeitos.
Todas as tuas mentiras.
Todas as tuas malditas mulheres do passado.
Mas de todas as certezas,
A última foi a pior delas.
O engano entre os cobertores.
Os sonhos que sonhaste de mãos dadas com sua amante esquelética
Ali, ao meu lado,
Correndo pela rua
Como crianças mortas.
E, depois, os dois
Perpetuados na nossa rede,
Entre cafunés e saudades de vossas infâncias,
Passando o estilete da maldade no meu coração
De menina ainda desprevenida.
Ainda, agora, os vejo
Crianças pálidas e mortas
A zombar da pequena infância que tive
E que vocês, sem dó, mancharam como quem derrama vinho na toalha branca
recém posta à mesa.

DO ETERNO

Foto: Jorge Alexandre (Praia dos Artistas - Salvador)

Guardei uma imagem tua no mais profundo da minha alma
Nunca hei de te esquecer.
Te lembrar é o castigo que me dei de livre e espontânea vontade
Para nunca mais acreditar
Em cabelos macios e olhos pedintes de anjo.
Ouço Hendrix e Floyd para não esquecer que te tive aqui.
Bem perto.
Dividindo vida e colchão.
Tua imagem fiz questão de borrar um pouco.
Como se estivesse te queimando vivo e aos poucos.
Crueldade também para não esquecer,
porque não esquecemos quem nos foi cruel.
Mestre nisto, te aguardo no inverso do paraíso.