sexta-feira, 13 de maio de 2011

DECRETO DE SOLIDÃO



Fotomontagem: IC. Mostra parte das pernas de uma mulher em preto e branco e duas flores vermelhas entrelaçadas por cima desta imagem.

IZA CALBO

Eu te vejo e nem imagino que há uma distância concreta entre nós
Ainda sinto a chuva no ponto de ônibus
Os beijos roubados num consentir sem limites
A vontade de voar para longe de tudo, ao teu lado

Roubo fotos caço versos que rasguei e guardei no pensamento
Não temos mais tempo, não somos mais nós
O que parecia eterno hoje caçoa de mim num papel amassado
E jogado sem razão na rua que ontem acabamos de limpar

Não trago mais a verve da poesia exposta
A morte me sonda feito naja
E quase rasgo os pulsos sem sentir nada
Está tudo acabado como na voz do poeta
Está tudo estanque e sem vida
Na paleta, onde antes, cores afloravam
Em nossos escassos retratos

Busco sonhos ao dormir
Busco tudo que quis e não pude realizar
Tudo que se fez promessa desfeita
Como prece para o santo errado

Ainda assim todas as coisas estão eivadas de amor sem fim
Todas as coisas estão assim ou quase assim
E a velha canção de Marina
Ainda passeia pela Orla
Por onde passávamos sem pressa
Sentindo o sal em nossas narinas
No cheirar a nuca de logo mais

Estou perdida. Sem caminho
Sem carinho que complete o que ficou no vazio
Sem teus dedos
Sem teu corpo de marcas invisíveis que dizias existir
Marcas feitas quando fizeste a cabeça
E te entregaste as tuas crenças tão azuis

Estou a um palmo de dizer não
A um passo de clamar sim
De dizer: Volta. Simplesmente.
Uma volta, que sei, só se faz no decorrer dos sonhos
Em meio aos mares nos quais posso te ver
Sem ousar tocar teus ombros
Para que me vejas também

Será que sentes a minha alma colada no teu peito
Onde costumava me deitar inteira e sem medo?
Será que te lembras das nossas andanças
Parando de bar em bar sem nada buscar?
Será que te lembras de lembrar-se de nós?
Não. Creio que não.

Definitiva e duramente,
A solidão é a única dama
A dançar lado a lado com a minha dor
E se não me consola
Ao menos me faz sentir que, em essência,
Continuamos a existir naquele ponto de ônibus
Molhados pela chuva e pelo prazer quase proibido,
Mas que sempre teve a leveza da luz
Que deixaste como trilha ao partir daqui.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

DECLARAÇÃO DE SAUDADE


Fotomontagem: IC. Mostra um casal deitado, nu, e a palavra saudade escrita na areia

IZA CALBO


Caminho pelas ruas com tua presença incrustada na pele
É como se nunca tiveste ido embora
O arrastar das sandálias
O barulho da chave invadindo a porta
E aquele gosto de saudade
Mesmo quando o teu beijo era exato
Não consigo me desfazer da sua alma
Nem me libertar do teu cheiro
Ou da tua carne
Os cabelos finos que acaricio no vazio
Fazem dos meus dedos meros fantasmas iludidos
Isso me causa cansaço feroz
E, extenuada, me entrego ao sono forçado pelas pílulas
Mas não encontro alivio
Os meus sonhos te trazem para mais perto
Como se isso fosse possível

Caminho pelas ruas com o teu sorriso ecoando na mente
Não te vejo, não te vi mais, mas o amor parece moldado em sal
E fere as feridas que trago quase estancando o sangue das veias
Sinto tuas mãos enlaçadas nas minhas
Nossas pernas embaraçadas na cama
Nosso amor feito e refeito sem nunca querer parar
Tua companhia incorpórea transtorna a mente embotada de sol
É como se estivesses me esperando no bar da esquina
Como se fôssemos conversar por mais de 20 horas
Desafiando o tempo a passar

Caminho pelas ruas sozinha
Mas a minha solidão bate de ombros com tua imagem fugidia
Um nó engasga a garganta e as lágrimas deslizam suaves
Quase sem razão de ser
Se forem perceptíveis, pouco importa
O dia, sem você, é escuro
Há nuvens pesadas encobrindo lembranças
Mas uma fresta de sol me faz ver tua face
O teu sorriso está ali,
Calado ao pé do meu ouvindo
Prestes a gritar a alegria inexistente
Deixaste teu canto solo num canto do meu coração
E a tua música, com seus rifes, rompe o silêncio em mim

Caminho por todos os lugares,
Todos os dias
E, até mesmo em casa, tua voz murmura palavras que guardei
À margem da mágoa que provocaste
Temo te ver de fato
E me refugio para evitar que, ao acaso, o teu passo encontre o meu
Não teria palavras
Minha voz... Esquecestes de devolver
Também não te lembraste de levar teu coração para longe do meu
E se hoje nossos corações separados
Em mim batem juntos numa melodia insensata
É porque o amor negado
Não teve tempo ainda para ser esquecido
O amor descartado pela tua vontade
Continua em mim, fazendo-me refém desde sentir em vão
Queria tocar teus ombros largos
Cair sobre o teu corpo num mergulho de desejo e mar
Mar de Amaralina
Mar do Rio Vermelho
Mar da Bahia
Onde juraste me amar até o infinito,
Esquecendo de avisar que o infinito acaba...

Caminho, agora, por dentro de mim
E, nesta gruta ainda casta,
Encontro-te nas águas azuis e intocadas
Nestas águas me banho imaginando ser cada gota
Uma gota do teu suor
As gotas de suor que batizaste de pérolas
Não há nada que me afaste da sua presença
Nem mesmo a tua ausência de tantos anos
Porque nunca estiveste ausente em mim

Cravaste uma lança no meu peito
E não há quem possa retirá-la.

Isso somente tu poderias fazer sem me matar aos poucos
Como acontece agora quando mesmo
Sabendo-te longe, ainda que tão perto
Sinto tua alma escamada na pele do meu silêncio.